conto
No alto de uma colina erguia-se um castanheiro.
Faziam-lhe companhia os animaizinhos da floresta e, em baixo, a cidade enviava para o céu nuvens de fumo azulado. 
Porém, nas noites de Verão, quando a mãe arganaz embalava na cauda um dos seus filhotes, a árvore era invadida por uma grande tristeza. 
“Só eu é que não tenho meninos para acarinhar”, pensava ela. 
E pensou nisso com tanta força que, uma bela manhã, um dos seus ouriços desprendeu-se bruscamente. 
Caiu, rolou e abriu-se. 
Era uma menina. 
Bem, estava um bocadinho pálida. 
 “Mas o sol há-de dar-lhe uma linda cor!”, disse a árvore, que até brilhava de contente. Passou a chamar-se Florina.
A árvore fez-lhe um bercinho minúsculo de ervas e sentiu-se muito feliz. 
Mas nem sempre era fácil. 
Florina queria ser campeã de piruetas. 
— Tem cuidado, meu rebentinho querido! – dizia, preocupada. 
Florina brincava ao bichinho da fruta. 
— Come tudo como deve ser! 
E também fazia o pino. 
— Tu pões-me a cabeça à roda! Cansa, ser pai! 
Mas afinal até se davam bem. Às primeiras neves, todos os bichinhos prepararam um ninho fofinho para passarem o Inverno. Cada um escavou um buraco à sua medida no meio do feno e a árvore bocejou: 
— Boa noite, Florina. Bons sonhos! 
Em breve, tudo ficou em silêncio. 
Florina virou-se para um lado. 
Depois para o outro. 
— Papá, não consigo dormir! 
Mas ninguém respondeu, estava tudo branco e adormecido. Florina deixou-se escorregar para a neve e estremeceu. 
Ao longe, a cidade acendia as luzes e brilhava calmamente. Florina encheu-se de coragem e desceu a colina. 
Era um lugar estranho. 
Tudo estava em movimento, à volta de Florina. 
Empurravam-na. 
— Sai daí! — disse alguém. 
— Não fiques no meio da rua! — disse outra pessoa. 
Florina começou a tremer. 
De repente sentiu que alguém a levantava de cabeça para baixo. 
— Larga-me! — gritou ela. 
— Desculpa! — respondeu o macaco. — Julguei que eras uma castanha. Às vezes dão-me castanhas. 
— Não tenhas medo! — disse uma senhora velhinha a sorrir. — O Gil é um macaco muito simpático. 
Depois, cobriu Florina com um xaile. 
— É noite – disse ela suavemente. — Temos de voltar para casa. 
Levou Florina para o quarto das águas furtadas, deitou-a numa cama fofinha, aconchegou-lhe a roupa, deu-lhe um beijo e não disse mais nada porque a menina já tinha adormecido. 
De manhã, Gil abanou Florina: 
— Eh, castanha! Não vais passar o Inverno a dormir! 
— Penso que não… — suspirou Florina. 
— Veste roupa quente — aconselhou a velha senhora. — Está muito frio no parque. 
— Olha bem para mim! — gritou Gil. 
E subiu a toda a velocidade pela árvore mais próxima. 
— Admirável, não? 
— Qualquer pessoa pode fazer isso! — replicou Florina. 
— E isto é que tu nunca fizeste! — Gil arremessou-se, saltando de árvore em árvore. 
Mas, de repente, um ramo coberto de gelo partiu-se e Gil caiu de uma altura de vários metros. 
Florina foi logo a correr. 
O macaco já não se mexia. 
Muito tristes, levaram-no para casa. 
A velha senhora embrulhou-o num xaile, mas Gil tinha uma pata partida e continuava desmaiado. 
— Deve haver alguma coisa que se possa fazer por ele! — soluçou Florina. — O meu pai deve saber… 
Na colina, o castanheiro dormia profundamente. 
— Papá — murmurou Florina — estou com um pequeno problema, ajuda-me! Um amigo meu está doente… 
Então uma coisa extraordinária aconteceu. A árvore fez crescer uma folha, em pleno Inverno, uma folha pequenina, na ponta de um ramo.
E murmurou mesmo a dormir: 
— Um chá! Um chá de uma das minhas folhas faz sempre bem quando se está mal disposto! 
Florina colheu a folha. E levou também algumas avelãs para comer pelo caminho. A árvore continuava a ressonar. 
Mal bebeu a primeira colher de chá, Gil sentiu-se logo muito melhor. 
— Felizmente que há árvores! — disse Florina. 
Dia após dia, o macaco recuperava a sua boa disposição e Florina esperava pela chegada da Primavera. 
Finalmente, o vento trouxe um rebento verdinho e perfumado. 
— A minha árvore acordou — anunciou Florina. 
– Nós vamos acompanhar-te – propôs Gil. 
A árvore assobiava baixinho, muito atarefada a fabricar folhas e gomos. 
— Onde é que passaste a manhã? — perguntou a árvore muito admirada. 
— Depois conto-te — disse Florina. — Dormiste bem? 
— Como um cepo. 
— Bom dia! — disse o macaco. 
— É curioso, tenho a impressão de que já o conheço — admirou-se a árvore. 
Florina ria-se, tapando a cara com as mãos. 
— Mais tarde explico-te tudo… — disse ela. — Agora podemos ir jogar às escondidas? 
Magali Bonniol
La fille de l’arbre
Paris, L’école des loisirs, 2002 
https://contadoresdestorias.wordpress.com/2007/05/16/a-filha-da-arvore/
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